sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Um Idiota

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O que eu estou fazendo aqui?
      Era uma pergunta que intrigava aquele homem. Havia acordado normalmente, tomado seu café, feito sua caminhada diária, havia ido trabalhar, e agora estava ele, dentro do carro estacionado em um estacionamento de um parque. Se perguntando do motivo de estar ali. Porém sua pergunta não era a respeito do porque estar naquele estacionamento, e sim, do porque estar vivendo aquela vida.
      Só havia percebido de que não se lembrava de nada, no final daquele dia. Era como se inconscientemente soubesse o que fazer, como se a rotina tivesse tomado conta de sua inconsciência. O problema é que não sabia se aquela rotina era realmente sua, para que pudesse fazer tudo, mesmo sem lembrar de nada, ou se era a rotina de outra pessoa, e que por algum motivo estava vivenciando aquilo. Uma grande confusão começou a surgir em sua cabeça. Começou a achar que poderia ser um louco, tendo idéias malucas sobre sua identidade. Decidiu sair do carro para caminhar no parque para espairecer as idéias e tentar se lembrar de alguma coisa.
      No parque o homem percebia o quão belo era o fim de tarde naquele lugar. As árvores com folhas verdes e algumas em tom amarelado, combinavam com o começo do outono. O ar estava fresco, levemente gelado e o sol que ainda iluminava o céu, refletia um tom alaranjado. O homem via tudo aquilo e era como se nunca tivesse visto tal coisa. 


      O mesmo logo encontrava uma árvore no meio de um campo aberto, e sentava-se no gramado, debaixo daquela árvore, encostando suas costas na mesma, dando um suspiro se sentindo um pouco cansado. Fechava os olhos e escutava o barulho relaxante das folhas se moverem com a brisa, sentia o cheiro fresco do outono, a brisa passava suavemente em seu rosto. Tudo aquilo parecia ser novo. Quando abria os olhos, todas as lembranças voltavam.
      O homem logo havia percebido que não havia se esquecido de nada, absolutamente nada, na verdade. Era ele mesmo que havia sido esquecido pelas suas lembranças, afinal, elas não importavam mais para ele. Estava tão acomodado com sua rotina, que suas lembranças não fariam diferença se fossem embora. Ficava espantado ao perceber isso. Como havia deixado se acomodar tanto, para que não percebesse mais quem realmente era e o que estava fazendo? Se perguntava. O homem então se levantava, limpava as folhas que estavam em sua roupa e olhava para frente, para o pôr do sol, e sorria.
"Estou apenas deixando de ser um idiota." Respondia.


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A Incompreensível Incógnita

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      Naquele lugar, acreditava-se que existia algo que fluía pela natureza, algo que podia sentir a energia dos seres a sua volta, algo que estava constituído em tudo e que era capaz de influir no espaço, tempo e eventos, mesmo que fosse invisível, intocável, imaterial, incompreensível. Em outros lugares chamavam esse algo de Deus, outros de Allah, outros de Guaraci... todos tinham um nome para tentar individualizar esse algo, que era difícil de definir ao certo se possuía alguma individualidade ou se era tudo e todos, ou simplesmente era nada. 
      Naquele lugar, ninguém louvava essa existência, ninguém rezava e pedia coisas, ninguém pagava promessas, ninguém precisava fazer alguma coisa para acreditar. Apenas acreditavam.
      Eram as árvores, eram os rios, eram as nuvens, eram os animais, eram as pessoas, eram as construções... tudo. Além do que era material, esse algo estava presente nas 'almas', nos pensamentos, na existência do que não existia, nos eventos e também no tempo. Algo muito além da capacidade de compreensão de um humano, ou talvez algo tão simples, que humanos, com sua complexidade, não fossem capazes de entender. Esse algo era simplesmente uma incógnita.
      Os eventos estavam interligados, delimitados pelo espaço e tempo, seus componentes agiam de forma em que, no final, houvesse uma razão ou um resultado que tudo fizesse sentido para aquele determinado evento. O algo estava onipresente, a 'incógnita', na visão daqueles que não podiam compreender, seguia o fluxo, ou melhor, guiava o fluxo das coisas.
      Todos daquele lugar apenas viviam suas vidas, interagindo com a natureza em volta, com os outros seres presentes, com o espaço e tempo. E a 'incógnita' apenas continuava a fluir.
      

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quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Volte, e me encontre de novo.

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      Eu sentia um vazio no coração. Parecia que estava faltando algo em minha vida. E quando eu já desistia de ir em busca do que me faltava... o vazio era finalmente preenchido.
      Ela era a formosidade mais encantadora que poderia existir. Senti que ela era o que me faltava. Quando chegou em casa, era tão pequena, tímida, parecia ser frágil e despertava um grande desejo nas pessoas de quererem cuidar dela. Não tinha mais que um mês de vida. Invocada, ficava quieta, apenas observando o novo lar e sua nova família. Seus olhos castanhos e redondos eram graciosos e ao mesmo tempo marcantes, sua pelagem era em um leve tom champanhe e seus fios eram ondulados e macios. A princípio, antes mesmo dela chegar, queríamos nomeá-la de Suri. Porém ela já chegava com um nome. Jully.
      Seu primeiro dia em seu novo lar foi estranho. Todas aquelas pessoas, todos aqueles cômodos, todos aqueles brinquedos... tudo era diferente e novo. Talvez sentia um certo medo e insegurança, mas isso não a impedia de tentar se adaptar ao novo lugar. Com muita paciência, eu e minha irmã fomos tentando conquistar sua confiança. E no final do primeiro dia, ela já não ficava mais escondida debaixo do sofá. A noite, era levada para dormir junto conosco, em nossos colchões. Era muito pequena e todos achavam melhor nas primeiras noites, não deixá-la sozinha.
      Uma coisa quente e molhada podia se sentir naquele colchão na manhã seguinte. Mas que beleza... Jully havia feito xixi no meu colchão! Todos ficavam frustrados com aquilo, certamente teríamos que educar aquela pequenina. As refeições eram simples, simples demais, apenas leite e quatro grãos de ração, mas era indicação de sua antiga família. Porém isso não durava muito tempo, logo sua refeição foi sendo cada vez mais aprimorada e ficando cada vez mais saborosa. Afinal, ninguém gosta de comer algo sem sabor.
      Nos primeiros meses aquela pequenina foi revelando uma personalidade agitada, arisca, e dependendo até irritante. Não podia ver alguém andando, que já corria atrás para morder os sapatos da pessoa. Não podia receber um carinho na cabeça, que já queria morder a mão da pessoa. Não podia ver uma cadeira de madeira, que simplesmente a devorava. Não se sabe quanta coisa já foi destruída por aquela criaturinha. A almofada que usava como cama, simplesmente fora destroçada... as roupas para o frio, foram despedaçadas, nem mesmo servindo para ser pano de chão... os brinquedos de borracha pareciam brinquedos deformados, já que eram destruídos por ela... os móveis da casa estavam quase todos mordidos e riscados... Jully realmente era muito agitada em sua infância.
      Os anos foram passando, e Jully foi crescendo. Fugiu de casa, quase engravidou, aprendeu truques de adestramento, ficou com um berne morto nas costas durante 3 anos, só foi ser castrada aos 10 anos de idade, enfim, inúmeras coisas aconteceram. E a cada acontecimento, Jully se tornava cada vez mais sábia. Sua personalidade definitiva não era uma cachorra arisca, irritante, agitada e destruidora de móveis. E sim uma cachorra calma, paciente, obediente, carinhosa, boazinha, boba, folgada, preguiçosa, gulosa, enfim... Jully era Jully.
      Na manhã do dia 8 de outubro de 2011, aproximadamente as 7hr da manhã, Jully falecia em sua casa, ao lado da vovó que cuidou dela durante toda sua vida. Não se sabe o que estava sentindo no leito de sua morte, mas ao menos não estava sozinha quando deixou este mundo. Ninguém gostaria de morrer sozinho. Ao menos um adeus, todos gostariam de dar, e assim foi com Jully. Fico mais tranquila com isso.
      Sua morte fará com que sua vida fique apenas nas lembranças. Por isso espero encontrá-la novamente algum dia, quando ela renascer. Todos esperam nunca mais renascerem pois isso indica que já atingiram sua iluminação... porém eu quero que ela volte, que ela volte para este mundo, que renasça e volte para mim. Pode parecer um pouco egoísta... mas um vazio ficará em meu coração enquanto não encontrá-la novamente. Quero poder viver ao seu lado novamente, não quero perdê-la para sempre. Então por favor, volte, Jully. Volte e me encontre de novo.

Jully - 28/08/2000 - 08/10/2011

Estarei esperando.


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